domingo, fevereiro 15, 2004

O cronista que queria ser economista

O leitor deste blog que entende de futebol pode imaginar o que iria encontrar aqui se eu começasse a falar de futebol? Pois é. Um asco, né?

Então imaginem o que eu senti quando li o famoso Luis Fernando Veríssimo falando de Economia no "O Globo" de hoje (coluna móvel, mudará na quinta ou no domingo, aqui).

Na verdade, ele pega este artigo, de um tal William Pfaff, no International Herald Tribune e, basicamente, faz uma tradução comentada. Segundo o sr. Pfaff, a lei férrea dos salários seria mais importante do que o aproveitamento das vantagens comparativas.

Há diversos problemas neste tipo de argumento. Mas, permita-me tomar o artigo original de Pfaff. Em determinado trecho, diz ele: "The iron law of wages would seem to function only if the supply of labor is infinite and totally mobile".

Em seguida, argumenta Pfaff que isto é facilitado pela globalização.

Agora, pense no seguinte: a globalização, se é sinônimo de menor barreiras à mobilidade (inclusive de custos para a mobilidade), é, de fato, facilitadora da movimentação do trabalhador (a oferta totalmente móvel citada acima, embora uma oferta infinita seja algo estranho, a princípio).

Como se pode diminuir custos à movimentação do trabalho, ainda no nível de abstração de Pfaff-Veríssimo, de forma a facilitar a entrada de trabalhadores, digamos, no meu país?

Fácil. Tenho de oferecer salários atrativos aos mesmos. Como faço isto? Se eu fixar o salário acima do nível de mercado, vou gerar desemprego (lei do salário mínimo). Que empresário do meu país vai querer contratar um estrangeiro pagando mais pela mesma qualidade de mão-de-obra que encontra no país a um preço menor?

Então deixemos de fixar o salário. Digamos que eu apenas diminua os custos de entrada no meu país ("Claudiópolis"). Não posso enviar um cheque a cada trabalhador estrangeiro, mas apenas desburocratizar o acesso. Fazer isto não significa que há empregos para todos. Você pode abrir as barreiras do seu país e ter uma indústria operando em capacidade máxima: não há vagas, amigo, volte mês que vem.

Além disso, é de se imaginar quantos trabalhadores brasileiros sairão do país em direção a Claudiópolis. Há tanta mobilidade assim de trabalhadores?

Finalmente, digamos que o salário, como qualquer preço, se estabilize num nível de equilíbrio, como diz o, digamos, Teorema de Pfaff-Veríssimo. Por que este equilíbrio deveria ser o de subsistência? Nada há, no argumento de Pfaff-Veríssimo, que garanta que este seja o nível. Dizer que você cobre custos significa que você cobre o custo de oportunidade. Ricardo, quando elaborou sua teoria, trabalhava em termos de valor trabalho, teoria que ninguém usa hoje em dia (nem os inimigos da globalização, exceto os não-economistas/marxistas).

Ok, o mundo é desigual. Aliás, justamente por isto é que há comércio entre as nações. O comércio só existe para que ambos ganhem (exceto quando gente interessada briga por tarifas e/ou subsídios). O jogo é sempre win-win como diz Pfaff. Como passar para um jogo de soma zero? Aí é que está o problema crucial do artigo de Pfaff (que Veríssimo reproduz, sem críticas).

Ao comparar a argumentação de Ricardo com as dos economistas de hoje, Pfaff-Veríssimo têm a difícil tarefa de comparar uma teoria de preços que usa o valor-trabalho e outra que usa o valor de uso. Vale dizer, alhos e bugalhos.

E, infelizmente, eles não explicam como fazer isto, embora tenham textos com belas palavras sobre o futuro sombrio que enxergam.

Conforme os comentários que o(s) leitore(s) fizerem a gente pode até elaborar melhor a crítica, mas, por enquanto, é isto.