quarta-feira, março 31, 2004

A maldição da abundância de recursos artificiais (Russian Disease)

O Leo adora a Dutch Disease (alunos interessados, leiam o capítulo adequado em, por exemplo, Sachs & Larrain, de Macroeconomia).

Mas existem outras doenças. Sendo bastante permissivo no uso da linguagem e pouco rigoroso tecnicamente, eu diria que existe também a Russian Disease. Baseio-me no comentário de leigos: o que importa é ter Forças Armadas poderosas. Quem as tem, domina o mundo. E o exemplo é sempre os EUA. O argumento refinado responsabiliza o "complexo industrial militar" (nunca bem definido) pelo crescimento econômico dos EUA.

Ora, se olharmos bem, a URSS tinha também um "complexo industrial militar" poderoso. Só que era todo estatal.

E, hoje em dia, percebe-se que um complexo poderoso como o russo não venceu. Aliás, a economia soviética só era "Segundo Mundo" nos sonhos dos utópicos (bem intencionados ou não) intelectuais de esquerda.

Qual o problema? A dica já foi dada há muitos anos, no antigo livro de Alec Nove (Zahar Editores): o sistema de alocação adotado não era o mercado mas um complicado sistema estatal. O resultado? Bem, vejam este link:

A Fleet of Disposable Ships

Há vários bons livros sobre o assunto, o mais interessante, para mim, o de Janos Kornai (economista de húngaro que estava em Harvard até a última vez em que li algo dele): The Socialist Economy. Há também outro, em português, da antiga editora Vértice: A Economia do Socialismo, de J. Wilczynski.

Sobre a visão da economia socialista como ciência, claro, basta ler o pouco científico "O Capital" onde o autor passa todo o texto xingando os irmãos Bauer, ou mesmo J.S. Mill. É referência obrigatória. Entretanto, mesmo economistas russos de origem marxista caíram no erro da "engenharia social" ("basta usar a teoria econômica burguesa num computador e pronto, está tudo resolvido"). O melhor livro (este eu tenho, mas o achei num sebo) é: "The use of Mathematics in Economics", editado por Nemchinov (com contribuições do Nobel Kantorovich, do importante Lange, Lu're e Novozhilov).

Por que eu gosto do tema? Porque existe ao menos um sujeito na mesa do bar ou no governo que ainda pensa que economia é a engenharia onde a argamassa é a regulamentação governamental e o tijolo é o indivíduo. Enfim, é por isto que leio Hayek. Ele me lembra que sou humano, não um ponto convexo no Rn (embora, eu friso aqui, seja essencial modelar a economia matematicamente. Basta não acreditar no que se faz, mas ter consciência das limitações do método).

Acordei inspirado hoje. Deve ser o café.