terça-feira, maio 11, 2004

Segurança

Para você pensar.

INSEGURANÇA: O BRASIL CHEGOU NO LIMITE?
__Cândido Prunes*

Em reunião com os ministros da Justiça, da Defesa e da Coordenação Política, a governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus, acaba de celebrar um acordo de cooperação entre o estado do Rio e a União para enfrentar o problema da segurança no Rio. Entre as providências tomadas, as Forças Armadas irão para as ruas. Será que o elenco de medidas adotadas tratará de frente o problema ou apenas minimizará a sensação de insegurança no Rio quando até mesmo os quartéis das Forças Armadas se tornaram vulneráveis ao ataque de criminosos?

A população, compulsoriamente desarmada por uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e pelo Presidente da República, ficou completamente indefesa, ante bandidos armados com granadas, metralhadoras, pistolas de grosso calibre e até minas, todos armamentos que sempre foram de uso privativo das Forças Armadas. A polícia no Rio de Janeiro (e em outros estados) encontra-se acuada, sendo ela mesma vítima de ousados ataques, inclusive "fuzilamentos", incapaz, portanto, de dar uma resposta rápida e eficiente quando necessário. Inteligência policial (no sentido de prévia coleta de informações, inclusive mediante a infiltração de agentes no submundo do crime) e capacidade de investigação nesses tempos de crise parecem ser nulas. O caso do assassinato de um casal de americanos em condomínio de luxo na Barra da Tijuca é um bom exemplo.

O percentual de atos criminosos cometidos no Brasil e que resultam em punição vem declinando nos últimos anos. Há delegacias de polícia em São Paulo – como já divulgado amplamente pela imprensa – que são incapazes de esclarecer um único homicídio de autoria desconhecida ocorrido em sua jurisdição. Milhões de vítimas de pequenos delitos simplesmente deixam de comunicá-los às autoridades policiais, pois não serão jamais investigados, e mesmo que o fossem, teriam remotas possibilidades de levar alguém até o banco dos réus. Mesmo crimes de maior potencial ofensivo deixam de ser comunicados à Polícia, pelo desalento da população quanto à eficácia de seu trabalho. Este ambiente de impunidade é o principal responsável pelo verdadeiro envenenamento do ambiente legal brasileiro e está na raiz da escalada do crime. A miséria, a pobreza e o desemprego, são meros coadjuvantes num cenário em que a impunidade é o principal personagem.

A deterioração do quadro fica ainda mais evidente quando se analisa a evolução do número de "vítimas de auto resistência", ou seja, de civis mortos pela ação policial no estado do Rio de Janeiro. Foram 289 mortes ao longo do ano de 1999. Em 2003 esse número mais do que triplicou: foram 1.195 mortos. Há uma sensação entre as pessoas de bem de que bandido deve mesmo morrer quando em confronto com a Polícia. Hoje parece que só o flagrante violento é capaz de deter a ação criminosa, uma vez que se deteriorou a confiança na investigação policial e no Judiciário. Mas isso é um ledo engano. Criminoso tem é que responder a processo, ser condenado e cumprir pena. Esses três estágios são indispensáveis para que se instaure um saudável ambiente de respeito a lei. O que assistimos hoje é um arremedo de justiça que só alimenta a violência.

A informação mais recente divulgada sobre esse quadro dantesco, no jornal ‘O Globo’, de 2 de maio do corrente, é verdadeiramente aterrorizadora. Nos últimos 10 anos registraram-se 39 mil desaparecimentos no Rio de Janeiro. Em 2002/03 o número de desaparecidos duplicou em relação à média dos anos anteriores. Há dois aspectos nesse número assustador que precisam de uma melhor reflexão: 1) nem todos os desaparecimentos de pessoas foram comunicados às autoridades, portanto o número real é maior do que este; 2) os desaparecimentos não entram na estatísticas de homicídios (Tim Lopes só engrossou o número de mortes ocorridas em 2002 depois que parte de sua tíbia – única parte corpo que não foi reduzida a cinzas pelos seus algozes – foi identificada através de um teste de DNA).

Assim sendo, o número aparentemente estável de homicídios dolosos cometidos no estado do Rio de Janeiro está na verdade mascarado. Primeiro, por excluir os desaparecidos (o que tecnicamente é defensável, mas que deveria ser sempre devidamente ressaltado). Não é difícil supor que a esmagadora maioria desses 39 mil casos resultaram em homicídios, ainda mais no ambiente de guerra civil vivido no Rio de Janeiro. Falta apenas achar os corpos, caso não tenham sido eficazmente incinerados pelos bandidos. Segundo, as estatísticas sobre desaparecimentos também estão mascaradas. O verdadeiro número nunca se saberá, mas é certamente maior do que os já estonteantes 39 mil casos. Somente no alto da favela da Grota, onde o pedaço da ossada de Tim Lopes foi encontrado, havia restos de outras 200 pessoas, quando a Polícia finalmente lá chegou. O local, macabramente conhecido por "microondas", servia para cremar as vítimas dos bandidos e traficantes. Duzentas pessoas antes de Tim Lopes tiveram os seus corpos queimados naquele local, sem que os seus autores fossem importunados pelas autoridades. Ou que fosse feita qualquer denúncia (se houve denúncia, aparentemente nunca se realizou uma investigação). Essa situação ainda leva ao desespero milhares de famílias, pois as probabilidades estatísticas de um desaparecido ter morrido é altíssima.

O desprezo à vida das pessoas demonstrado pela inoperância das autoridades constituídas (ainda que elas próprias tenham se tornado reféns da situação) é verdadeiramente assombroso. A situação tomou tamanha proporção no Brasil, sendo que no Rio de Janeiro é o local onde o problema se tornou mais evidente, que requer uma análise mais profunda. A solução está muito além de uma intervenção tópica do Exército no Rio de Janeiro, como ficou decidido nesta segunda-feira.

É necessário reavaliar os seguintes pontos e agir rapidamente (eles não estão elencados em ordem de importância, uma vez que a complexidade do problema acaba por interligar muitos deles):

1.

Impedir a "porosidade" das fronteiras com as ações efetivas sobre o contrabando de produtos que entram e saem ilegalmente do País (sem esquecer, por exemplo, que parte significativa da frota de veículos do Paraguai constitui-se de carros roubados no Brasil). Em relação às fronteiras mais problemáticas, a postura do Brasil deveria ser extremamente rígida, passando, se necessário, pelo seu fechamento puro e simples, até que o Brasil consiga mobilizar pessoas e recursos para adequadamente vigiá-las;
2.

Estabelecer claramente quais são as ligações existentes entre os traficantes e bandidos locais com a narco-guerrilha colombiana para que a Polícia Federal e o patrulhamento de fronteiras possam, com inteligência, combatê-la. Há vários fatores que indicam a migração desses elementos estrangeiros para o território brasileiro. Para citar apenas dois deles: o governo colombiano, com forte apoio norte-americano, está pressionando como nunca esses grupos de narco-guerrilheiros, que teriam toda a facilidade para transpor a fronteira amazônica brasileira. Em segundo lugar, a tentativa de resgate da senadora colombiana em território nacional, no ano passado, por um "comando" francês, constitui-se num fato que nunca foi adequadamente explicado;
3.

Reaparelhar as Forças Armadas, levando em conta a importância do patrulhamento das fronteiras e do mar territorial, para reprimir a invasão do território nacional por traficantes e contrabandistas. Hoje, estes são os grupos que ameaçam a soberania nacional;
4.

Revisar o Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de reduzir a idade de responsabilização penal. Com isso se revogaria o falso e perverso incentivo dado aos jovens que enveredam pelo mundo do crime;
5.

Revisar a Lei das Execuções Penais, de modo a permitir o cumprimento de penas em presídios de segurança máxima em locais remotos do território brasileiro, para bandidos com histórico de extrema violência e que não demonstraram bom comportamento prisional;
6.

Revisar o Estatuto do Desarmamento, a fim de permitir que os cidadãos honestos possam portar armas para se defender de bandidos (a Polícia poderia inclusive oferecer treinamento adequado para as pessoas honestas que desejam andar armadas). Evidentemente que as armas que eram de uso exclusivo do Exército, assim continuariam;
7.

Reformular o treinamento e os critérios de avaliação da atividade policial, mediante a introdução de práticas bem sucedidas em outros países, como as da política de "tolerância zero", visando a aumentar dramaticamente o seu grau de eficiência. Essa reformulação deveria incluir a unificação das polícias nos estados;
8.

Reformar o Judiciário, pelo menos para impedir que os crimes prescrevam devido aos processos que "não andam";
9.

Reformar o Estatuto da OAB, a fim de tornar possível punir com rapidez e segurança os advogados que se envolvem e se confundem com as atividades criminosas de seus clientes; e
10.

Reavaliar as prioridades do Estado, estabelecendo a suspensão de uma série de gastos enquanto não se atinjam níveis aceitáveis de segurança.

Como se vê pela listagem acima, o problema não está nas mãos de um único Poder. Passa pelos Executivos, Legislativos, e Judiciários da União e de cada um dos estados.

Enquanto uma avaliação e um elenco de ações mais profundas que enfrentem essas questões não se concretizar, não há esperanças de reversão desse quadro. Também dever-se-iam ignorar completamente as chamadas "causas sociais" para explicar a atual onda de criminalidade, pois servem apenas como cortina de fumaça e para imobilizar ainda mais o poder público.

Não há limites, infelizmente, para que a situação se deteriore ainda mais, ou melhor, caso os Poderes da República e dos Estados da Federação permaneçam neste estado de inércia, a barbárie e selvageria completa é o único horizonte previsível.


* Vice-Presidente do Instituto Liberal
Fonte: Editorial