Sim, mr. Lee: seu omelete está mais caro a partir de hoje
Lei da oferta e da demanda: funciona? Alguns alunos acham que a simplificação (método científico, cf. Popper, Kuhn, etc) é algo que complica a vida. O início do curso tem destas coisas e a gente tem de desfazer vários preconceitos.
Esta matéria mostra que a lei da oferta e da demanda, por exemplo, é algo universal, seja você um brasileiro ou um japonês, pobre ou rico, preto ou branco, católico ou muçulmano.
Na verdade, a matéria não é tão universal assim, mas eu a acho extremamente útil para alunos em início de curso. Por que? Por algumas poucas razões. 1) Ela mostra que proibições de trocas de um bem aumentam seu preço; 2) Ela mostra que este aumento pode ou não ser totalmente repassado para os consumidores o que depende, obviamente, da oferta e da demanda e de suas respectivas elasticidades; 3) Isto tudo ocorre em Cingapura (Singapore), independente de se o cidadão é pobre ou rico (e se o empresário é macro ou microempresário). Obviamente (3) e (2) têm uma relação forte, se você já sabe o que são elasticidades.
Pronto. Agora, o ponto interessante é: se eu soubesse quais os valores da elasticidade-preço da demanda por ovos, sob critérios de medição precisos, eu poderia prever o que aconteceria? A resposta é: sim, desde que você tenha cautela no que chama de "critérios de medição precisos". Vejamos um exemplo simples.
A função demanda de um bem é, normalmente, algo que depende de vários fatores. Mas alguns deles são mais fortes (em termos de impacto), segundo a teoria econômica, não segundo a estatística. São eles: o preço do próprio bem, a renda dos indivíduos e, ocasionalmente, o preço de bens complementares e substitutos. No caso dos ovos, estes dois últimos itens poderiam ser o preço do arroz (supondo que os consumidores gostem de consumir ovos e arroz em conjunto) e o preço do queijo de soja (suponho, para fins didáticos, que os habitantes deste país minúsculo tenham este padrão de comportamento: quando o preço do ovo aumenta, eles trocam ovo por queijo de soja, mas não necessariamente o contrário).
Ok, isto tudo é mais facilmente visto como: Q = Q(P, Pc, Ps, Y), onde Q = quantidade demandada de ovos, P = preço dos ovos, Pc = preço do arroz, Ps = preço do queijo de soja, Y = renda dos consumidores.
Agora, como sei que não sou Deus, provavelmente posso estar esquecendo de algo importante. Veja, Deus pode não saber o que é este "algo importante", mas ele é suficientemente esperto para saber que não é dono da verdade ou, pelo menos, que também pode se esquecer de alguma variável. Enfim, isto significa que outros fatores podem ser igualmente não-importantes. Vamos chamá-lo de ruído (e).
Então temos: Q = Q(P, Pc, Ps, Y) + e.
Bem, você perguntará (se ainda consegue ler algo): e daí?
Daí que isto serve para ser trabalhado na prática. Posso consultar alguns estudos e constatar que os economistas usem duas ou três formas funcionais diferentes para a função Q(P, Pc, Ps, Y). Por exemplo, o excelente "Economics and consumer behavior" de Angus Deaton & John Muellbauer (um clássico da área e excelente para se aprender sobre a teoria/prática das funções de demanda, nos fornece a seguinte especificação:
ln(Q) = alfa + beta0*(ln(Y)) + beta1*(ln(P)) + beta2*(ln(Pc)) + beta3*(ln(Ps)) + e
Uau! Por que? Bem, porque esta é uma forma funcional que respeita as propriedades estabelecidas pela teoria econômica do consumidor (desde 1776 tornando sua vida mais interessante, desde que você não seja aluno).
Agora, para que serve esta forma funcional específica? Se o ruído "e" for uma variável aleatória, então a ele se associa uma distribuição de probabilidade. Normalmente dizemos que o ruído tem uma distribuição normal com uma média e uma variância constantes. Isto é necessário para que se possa estimar os valores de alfa, beta0, beta1, beta2 e beta3.
Observe, leitor, que eu não disse como você vai estimar isto. Aí sim, entra a estatística. A teoria econômica em conjunto com a estatística te dá a econometria que é parte do grande conjunto dos métodos quantitativos em economia.
A estimação de nossa relação funcional aí em cima usa logaritmos, o que ajuda em um bocado de coisas na vida de alguém que goste de economia. Só para te dar um exemplo simples, vamos repetir a equação que será estimada:
ln(Q) = alfa + beta0*(ln(Y)) + beta1*(ln(P)) + beta2*(ln(Pc)) + beta3*(ln(Ps)) + e
Tomemos a derivada parcial d(ln(Q))/d(ln(P)).
d(ln(Q))/d(ln(P)) = beta1.
Pensando em termos de cálculo, sabemos que d(ln(X))/dX = 1/X (a regra da derivação de ln(X)). Podemos pensar em termos de diferenciais e reordenar os termos: dX/X = d(ln(X)). Isto pode ser traduzido em termos de Q e P acima. Teremos:
[dQ/Q] / [dP/P] = beta1.
O numerador mostra o quanto Q varia em relação a um determinado valor de Q (pode ser um ponto inicial ou uma média de dois pontos), mutatis mutandis para o denominador.
Ora, você - que ainda está comigo - dirá: isto quer dizer que se Q é função de P, beta1 me dá algo interessante. Ele mede o quanto varia Q quando P varia. Melhor ainda, pensando em termos percentuais, se P varia em x%, em quantos percentuais Q varia?
A resposta é: depende do valor de beta1. Suponha que beta1 seja menor que -1 (ou maior que o módulo de 1). Neste caso, sabemos que se, por exemplo, P aumenta em 10% (dP/P = 0.1), então Q diminuirá em mais que 10%.
Isto é importante? Bem, volte ao preço dos ovos e se imagine no lugar do vendedor de ovos, o cara que depende da venda mensal de ovos para sustentar sua mulher, a faculdade de sua filha e os remédios de sua mãe doente, sem falar na ajuda mensal para seu pai.
A partir daqui você poderia querer saber mais detalhes. Coisas como: como é que eu estimo beta1? Que tipo de dados eu tenho de ter? Como é feito isto na prática? Há problemas neste tipo de estimação? Como é que se corrigem os eventuais problemas? Ou não há correção? Quantos métodos diferentes existem para se estimar a equação logaritmica acima?
Ok, isto é assunto para uma aula de econometria, não para um post que já está bem grande. Mas deixe-me adiantar algo. Voltando à nossa forma funcional específica:
ln(Q) = alfa + beta0*(ln(Y)) + beta1*(ln(P)) + beta2*(ln(Pc)) + beta3*(ln(Ps)) + e
A estatística será usada para se estimar os parâmetros alfa, beta0, beta, beta2. Em outras palavras, é necessário que tenhamos valores (muitos) para Q, Y, P, Pc e Ps.
Mas note que o fato de eu conseguir um bom resultado na estimação acima não me garante que eu tenha alcançado algum tipo de verdade absoluta. Para começar, eu posso ter esquecido alguém na equação acima (erro de especificação). Segundo, eu posso até achar bons resultados, mas uma coisa é significância estatística, outra é significância econômica. A arte da econometria consiste em saber pesar as duas coisas de forma talentosa, i.e., você deve conhecer o estado da arte da econometria e da teoria econômica. Caso contrário, as chances de fazer bobagem aumentam.
Só para exemplificar o erro de especificação, alguém poderia dizer: "professor, eu acho que, para Cingapura, pelo que estudo há anos sobre este país, é importante que se considere a diferença religiosa entre consumidores no consumo de ovo" (vá, lá, leitor, é só um exemplo...).
Neste caso, nossa equação mereceria ser reescrita. A forma mais simples é:
ln(Q) = alfa + beta0*(ln(Y)) + beta1*(ln(P)) + beta2*(ln(Pc)) + beta3*(ln(Ps)) + beta4*D + e
onde D = 1 se o sujeito é muçulmano e D = 0, caso contrário.
Note que isto é possível porque meu aluno coletou os dados numa amostragem em que as medições foram feitas por consumidores, em um mesmo período de tempo. Tendo coletado a religião de cada um, é possível fazer uma nova estimação de nossa nova equação.
Se beta4 se mostrar estatisticamente significativo, isto é um sinal de que devemos considerar um estudo mais profundo da hipótese religiosa que meu aluno adiantou para a sociedade de Cingapura. Mas também é um sinal de que pode haver um erro. Pode ser que esta variável binária D capte outra diferença entre os consumidores.
Humm...o problema é complicado, não? Claro que é. E você acha que aprenderá a mexer com tudo isto em um único semestre? Impossível. Daí a necessidade de mais tempo de horas-aula, sem falar no seu estudo individual.
Ninguém disse que seria fácil, certo?
Lei da oferta e da demanda: funciona? Alguns alunos acham que a simplificação (método científico, cf. Popper, Kuhn, etc) é algo que complica a vida. O início do curso tem destas coisas e a gente tem de desfazer vários preconceitos.
Esta matéria mostra que a lei da oferta e da demanda, por exemplo, é algo universal, seja você um brasileiro ou um japonês, pobre ou rico, preto ou branco, católico ou muçulmano.
Na verdade, a matéria não é tão universal assim, mas eu a acho extremamente útil para alunos em início de curso. Por que? Por algumas poucas razões. 1) Ela mostra que proibições de trocas de um bem aumentam seu preço; 2) Ela mostra que este aumento pode ou não ser totalmente repassado para os consumidores o que depende, obviamente, da oferta e da demanda e de suas respectivas elasticidades; 3) Isto tudo ocorre em Cingapura (Singapore), independente de se o cidadão é pobre ou rico (e se o empresário é macro ou microempresário). Obviamente (3) e (2) têm uma relação forte, se você já sabe o que são elasticidades.
Pronto. Agora, o ponto interessante é: se eu soubesse quais os valores da elasticidade-preço da demanda por ovos, sob critérios de medição precisos, eu poderia prever o que aconteceria? A resposta é: sim, desde que você tenha cautela no que chama de "critérios de medição precisos". Vejamos um exemplo simples.
A função demanda de um bem é, normalmente, algo que depende de vários fatores. Mas alguns deles são mais fortes (em termos de impacto), segundo a teoria econômica, não segundo a estatística. São eles: o preço do próprio bem, a renda dos indivíduos e, ocasionalmente, o preço de bens complementares e substitutos. No caso dos ovos, estes dois últimos itens poderiam ser o preço do arroz (supondo que os consumidores gostem de consumir ovos e arroz em conjunto) e o preço do queijo de soja (suponho, para fins didáticos, que os habitantes deste país minúsculo tenham este padrão de comportamento: quando o preço do ovo aumenta, eles trocam ovo por queijo de soja, mas não necessariamente o contrário).
Ok, isto tudo é mais facilmente visto como: Q = Q(P, Pc, Ps, Y), onde Q = quantidade demandada de ovos, P = preço dos ovos, Pc = preço do arroz, Ps = preço do queijo de soja, Y = renda dos consumidores.
Agora, como sei que não sou Deus, provavelmente posso estar esquecendo de algo importante. Veja, Deus pode não saber o que é este "algo importante", mas ele é suficientemente esperto para saber que não é dono da verdade ou, pelo menos, que também pode se esquecer de alguma variável. Enfim, isto significa que outros fatores podem ser igualmente não-importantes. Vamos chamá-lo de ruído (e).
Então temos: Q = Q(P, Pc, Ps, Y) + e.
Bem, você perguntará (se ainda consegue ler algo): e daí?
Daí que isto serve para ser trabalhado na prática. Posso consultar alguns estudos e constatar que os economistas usem duas ou três formas funcionais diferentes para a função Q(P, Pc, Ps, Y). Por exemplo, o excelente "Economics and consumer behavior" de Angus Deaton & John Muellbauer (um clássico da área e excelente para se aprender sobre a teoria/prática das funções de demanda, nos fornece a seguinte especificação:
ln(Q) = alfa + beta0*(ln(Y)) + beta1*(ln(P)) + beta2*(ln(Pc)) + beta3*(ln(Ps)) + e
Uau! Por que? Bem, porque esta é uma forma funcional que respeita as propriedades estabelecidas pela teoria econômica do consumidor (desde 1776 tornando sua vida mais interessante, desde que você não seja aluno).
Agora, para que serve esta forma funcional específica? Se o ruído "e" for uma variável aleatória, então a ele se associa uma distribuição de probabilidade. Normalmente dizemos que o ruído tem uma distribuição normal com uma média e uma variância constantes. Isto é necessário para que se possa estimar os valores de alfa, beta0, beta1, beta2 e beta3.
Observe, leitor, que eu não disse como você vai estimar isto. Aí sim, entra a estatística. A teoria econômica em conjunto com a estatística te dá a econometria que é parte do grande conjunto dos métodos quantitativos em economia.
A estimação de nossa relação funcional aí em cima usa logaritmos, o que ajuda em um bocado de coisas na vida de alguém que goste de economia. Só para te dar um exemplo simples, vamos repetir a equação que será estimada:
ln(Q) = alfa + beta0*(ln(Y)) + beta1*(ln(P)) + beta2*(ln(Pc)) + beta3*(ln(Ps)) + e
Tomemos a derivada parcial d(ln(Q))/d(ln(P)).
d(ln(Q))/d(ln(P)) = beta1.
Pensando em termos de cálculo, sabemos que d(ln(X))/dX = 1/X (a regra da derivação de ln(X)). Podemos pensar em termos de diferenciais e reordenar os termos: dX/X = d(ln(X)). Isto pode ser traduzido em termos de Q e P acima. Teremos:
[dQ/Q] / [dP/P] = beta1.
O numerador mostra o quanto Q varia em relação a um determinado valor de Q (pode ser um ponto inicial ou uma média de dois pontos), mutatis mutandis para o denominador.
Ora, você - que ainda está comigo - dirá: isto quer dizer que se Q é função de P, beta1 me dá algo interessante. Ele mede o quanto varia Q quando P varia. Melhor ainda, pensando em termos percentuais, se P varia em x%, em quantos percentuais Q varia?
A resposta é: depende do valor de beta1. Suponha que beta1 seja menor que -1 (ou maior que o módulo de 1). Neste caso, sabemos que se, por exemplo, P aumenta em 10% (dP/P = 0.1), então Q diminuirá em mais que 10%.
Isto é importante? Bem, volte ao preço dos ovos e se imagine no lugar do vendedor de ovos, o cara que depende da venda mensal de ovos para sustentar sua mulher, a faculdade de sua filha e os remédios de sua mãe doente, sem falar na ajuda mensal para seu pai.
A partir daqui você poderia querer saber mais detalhes. Coisas como: como é que eu estimo beta1? Que tipo de dados eu tenho de ter? Como é feito isto na prática? Há problemas neste tipo de estimação? Como é que se corrigem os eventuais problemas? Ou não há correção? Quantos métodos diferentes existem para se estimar a equação logaritmica acima?
Ok, isto é assunto para uma aula de econometria, não para um post que já está bem grande. Mas deixe-me adiantar algo. Voltando à nossa forma funcional específica:
ln(Q) = alfa + beta0*(ln(Y)) + beta1*(ln(P)) + beta2*(ln(Pc)) + beta3*(ln(Ps)) + e
A estatística será usada para se estimar os parâmetros alfa, beta0, beta, beta2. Em outras palavras, é necessário que tenhamos valores (muitos) para Q, Y, P, Pc e Ps.
Mas note que o fato de eu conseguir um bom resultado na estimação acima não me garante que eu tenha alcançado algum tipo de verdade absoluta. Para começar, eu posso ter esquecido alguém na equação acima (erro de especificação). Segundo, eu posso até achar bons resultados, mas uma coisa é significância estatística, outra é significância econômica. A arte da econometria consiste em saber pesar as duas coisas de forma talentosa, i.e., você deve conhecer o estado da arte da econometria e da teoria econômica. Caso contrário, as chances de fazer bobagem aumentam.
Só para exemplificar o erro de especificação, alguém poderia dizer: "professor, eu acho que, para Cingapura, pelo que estudo há anos sobre este país, é importante que se considere a diferença religiosa entre consumidores no consumo de ovo" (vá, lá, leitor, é só um exemplo...).
Neste caso, nossa equação mereceria ser reescrita. A forma mais simples é:
ln(Q) = alfa + beta0*(ln(Y)) + beta1*(ln(P)) + beta2*(ln(Pc)) + beta3*(ln(Ps)) + beta4*D + e
onde D = 1 se o sujeito é muçulmano e D = 0, caso contrário.
Note que isto é possível porque meu aluno coletou os dados numa amostragem em que as medições foram feitas por consumidores, em um mesmo período de tempo. Tendo coletado a religião de cada um, é possível fazer uma nova estimação de nossa nova equação.
Se beta4 se mostrar estatisticamente significativo, isto é um sinal de que devemos considerar um estudo mais profundo da hipótese religiosa que meu aluno adiantou para a sociedade de Cingapura. Mas também é um sinal de que pode haver um erro. Pode ser que esta variável binária D capte outra diferença entre os consumidores.
Humm...o problema é complicado, não? Claro que é. E você acha que aprenderá a mexer com tudo isto em um único semestre? Impossível. Daí a necessidade de mais tempo de horas-aula, sem falar no seu estudo individual.
Ninguém disse que seria fácil, certo?
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