quarta-feira, agosto 25, 2004

Você tá com medo do spread bancário?

Questão polêmica e interessante. Muitos acham que já foi resolvida (se nem a minha vida resolvo, por que é que questões como esta seriam fáceis?), mas a discussão continua. Trechos do artigo abaixo mostram o quão longe de uma conclusão mais sólida estamos mas, adicionalmente, mostram que é um vasto campo de estudos. Alguém com interesse, coragem, humildade e disposição?

Deve-se dar ao lucro dos bancos no Brasil uma avaliação mais ponderada

Miopia na questão dos juros - Por Roberto Luis Troster (Valor Econômico - 25/08/2004 - opinião)

(...)

É fato, as taxas de juros no Brasil estão entre as mais altas do
mundo e deve-se promover sua redução para aumentar o investimento,
diminuir o grau de mortalidade de empresas brasileiras e engendrar as
condições para o desenvolvimento sustentado. Como as expectativas de
queda da taxa Selic são limitadas, representantes de todos os setores
da sociedade, inclusive do governo, clamam por ações para baixar o
spread bancário, ou seja, a diferença entre a taxa cobrada pelos
bancos e os juros básicos. Mesmo considerando que em função da
consistência das políticas fiscais e monetárias os spreads vêm
caindo, seu valor ainda é muito alto.

O primeiro ponto é sobre o valor do spread. Os números usados como
referência são inconsistentes e induzem a uma percepção parcial e
distorcida da realidade. Tese de doutoramento defendida na
Universidade de São Paulo (USP), há um mês, pela brilhante economista
Ana Costa, aprofunda a questão do spread.

A autora demonstra de maneira categórica que o estudo do Banco
Central apresenta limitações de: a) amostra - os produtos
selecionados cobrem apenas uma parcela do total do crédito; b) no
cálculo da inadimplência - que pode subestimar seu valor; c) há um
viés de seleção no conjunto de bancos - usam-se apenas 17 privados e
excluem-se os públicos; e d) na definição de margem líquida - a
nomenclatura é ambígua e induz a uma interpretação errônea de seu
significado.

O trabalho defendido faz uma estimação da participação da margem
líquida dos bancos no spread, corrigindo as distorções apontadas. O
resultado é comparado com o obtido com a metodologia e a amostra
original do Banco Central. Enquanto o cálculo do BC é de 38,28%,
aprimorando a metodologia, corrigidas as distorções e ampliada a
amostra, a margem líquida cai para 7,24% na tese de Ana Costa. A
autora conclui que os bancos "no Brasil, contrariamente ao que
estudos anteriores sugerem, apresentam uma componente de margem
nessas operações que é, na média, bastante reduzida". Ou seja, a
margem dos bancos não é a razão principal dos juros altos.

Outra causa apontada dos spreads elevados é a concentração do setor
bancário. Entretanto, levantamento do Banco Mundial (ver BEKC,T e
outros 2003) comparando a taxa de concentração bancária entre 74
países, mostra que a concentração brasileira é mais baixa que a
média. Uma ordenação coloca o Brasil entre os 20% menos concentrados.

Os lucros dos bancos são apontados por muitos como altos. A
justificativa para serem elevados é porque os bancos são empresas
grandes em função de sua escala de operação e risco. Todavia uma
comparação do seu lucro com seu patrimônio mostra que sua
rentabilidade não é excepcional. Na recente publicação Valor 1000 de
2004 que mostra o lucro das maiores empresas brasileiras, o banco
mais rentável estaria em 129º lugar, e só 5 bancos se situariam entre
as 300 empresas mais rentáveis. Nesse sentido, deve-se dar ao lucro
dos bancos uma avaliação mais ponderada.

(...)

É inconteste que no Brasil os bancos cobram juros elevados, no
entanto, esses juros não revertem em lucro. Desta forma, enquanto o
lucro dos bancos, sua margem no crédito e a concentração são causas
secundárias, as causas relevantes - tributação, compulsórios e o
quadro institucional - devem ocupar um lugar de destaque no debate.

A tributação brasileira é bizantina. Numa operação de um mês que não
gere lucros, o investidor não seja remunerado, sem custos bancários,
inadimplência nula e com a taxa Selic igual a zero, por conta dos
compulsórios, CPMF, FGC, PIS, Cofins, FGC e IOF produz uma taxa
anualizada de 29,40% ao ano. Um absurdo!

Os compulsórios no Brasil são draconianos. Seu uso como instrumento
de política monetária e de estabilidade bancária já foi abandonado em
quase todos os países. Os valores recolhidos no Brasil são os mais
altos do mundo e, na prática, o compulsório funciona como um imposto
indireto, pois permite o financiamento de parte da dívida do governo
a um custo abaixo do mercado. A questão é que esse tributo camuflado
onera todos os demais créditos.

O quadro institucional para operações bancárias é obsoleto e
inadequado. Os direitos dos devedores devem ser defendidos de maneira
célere, previsível e eficiente, o que não acontece. A título
ilustrativo, enquanto uma falência demora meses em alguns países,
aqui, segundo o Banco Mundial, demora dez anos em média. São milhares
de horas de advogados talentosos dilapidadas por excessos de recursos
protelatórios e formalismos desnecessários.

(...)

A questão dos juros pode ser resumida em uma palavra: miopia. Miopia
em políticas populistas, miopia em endividamentos irresponsáveis,
miopia em criar falsas esperanças, miopia em análises superficiais e
miopia em atacar as causas equivocadas. Mas a maior miopia é de não
perceber nosso potencial. Uma maior racionalidade no debate é
fundamental para expandir e baratear o crédito, o que pode funcionar
como uma importante alavanca para o nosso desenvolvimento.