quarta-feira, outubro 13, 2004

9.10.2004, com algum atraso

Aí vai uma homenagem do prof. Iorio ao grande polemista, Roberto Campos.






ROBERTO CAMPOS E A RACIONALIDADE

Ubiratan Iorio ( publicado no Jornal do Brasil em 11/10/04)

Contra a insípida monotonia dos papagueadores de palavras de ordem, os argumentos sólidos; em resposta à enfadonha algaravia dos repetidores de chavões esquerdistas, a lógica irrepreensível e, em retruque às surradas falácias marxistas, a pura racionalidade e a profusão de contra-exemplos, orlados e enriquecidos por citações, que não eram trazidas de dicionários, mas da leitura atenta dos próprios originais. Assim era Roberto Campos, uma das maiores inteligências que o Brasil já produziu, fortemente robustecida por uma erudição que impressionou os maiores intelectuais da Europa e dos Estados Unidos, entre os quais não poucos laureados com o Nobel; Campos, que deixou este mundo há exatos três anos, aos 84 anos de uma vida dedicada – por mais que seus adversários tentassem carimbar o oposto – ao país que o viu nascer, em 1917, lá no velho Mato Grosso, no seio de uma família humilde, filho de uma costureira; Campos, economista brilhante, diplomata dedicado, semblante sério em alma de criança, busca inexaurível de saber, conhecimentos à altura de sua avidez em estocá-los e que extravasavam a mera Teoria Econômica, fina ironia e bom humor permanentes. Roberto de Oliveira Campos, o maior dentre todos os nossos economistas e, mais do que isso, um gigante entre nossos humanistas, cansado da falta de racionalidade no debate nacional, foi chamado pelo Criador – cuja doutrina sabia de cor e salteado desde os tempos de seminarista -, às oito e meia daquela noite de 9 de outubro de 2001, deixando apagada a lanterna da popa do navio Brasil.

Respeitado pelos parcos adversários dotados de cultura e inteligência e odiado pela grande maioria dos primevos e rupestres algozes desprovidos desses atributos, embora tidos, lidos e mantidos como membros de nossa intelligentzia, deixou um legado impressionante de serviços prestados ao Brasil, como funcionário do velho - e bom! - Itamarati, economista, professor, embaixador, ministro, político, articulista, ensaísta e escritor. Certa vez, para lermos, na Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj, o que era um pálido resumo de seu currículo, para um auditório repleto e que o aplaudiu entusiasticamente de pé ao final da conferência, precisamos de cerca de cinco minutos, ao cabo dos quais comentou, com sincera modéstia, que acabávamos de divulgar o seu “prontuário policial”...

Há homens que nascem e vivem antes de seu tempo e cremos que Campos foi um deles. Se hoje – neste esgar expirante de socialismo, em que o governo federal bajula regimes decrépitos como o de Cuba e em que a polarização política parece convergir para dois partidos de esquerda -, é difícil, mesmo com o apoio da lógica e da clara evidência internacional favorável, defender-se idéias liberais no Brasil, pode-se imaginar o quanto deve ter sido penoso fazê-lo em sua época, especialmente da década de cinqüenta, o apogeu de estatólatras e nacionalóides, até o início dos anos noventa, quando, enfim, as profecias de Marx se realizaram - ao avesso -, com a implosão do império soviético...

Como o país está carecendo da clareza de seus argumentos, da coragem para enfrentar e desmontar tantos mitos e bobagens, que são montados e praticados, falados e escrevinhados, como se fossem verdades bíblicas! Da disposição para fazer o que precisa ser feito, da paciência para ensinar aos mais jovens, da aceitação de saber-se um Precursor, voz solitária no deserto! E, também, da resignação serena, quase apostólica, para ouvir turbilhões de críticas e ofensas desprovidas de qualquer sentido racional, sem desviar-se um centímetro do caminho reto!

Sem dúvida, o Brasil, nestes últimos três anos, está menos racional e mais obscuro.