sábado, fevereiro 15, 2003

Guerra!

O que muita gente diz sobre a guerra? Bem, de forma geral, pessoas associam guerra a história (o que está certo, pois guerras acontecem na história) mas costumam dizer que guerra faz bem para uma economia.

Esta afirmação se baseia no fato de que é uma regularidade histórica em soberanos que promovem guerras por diversos motivos (esquecendo-se de que interesses dos governantes nem sempre é igual aos de empresários ou consumidores...uma burocracia pode ser mais complicada de se entender do que muita gente pensa).

Mas, será que a guerra é um ato racional? O prof. Hirshleifer (UCLA) tem todo um trabalho teórico sobre a relação entre conflitos e comércio pelo simples fato de que a guerra é uma forma de se apropriar de recursos alheios. Resumindo: em termos de teoria econômica, uma guerra pode ser racional. Mas, veja bem, se tem teoria econômica, tem elementos de nossa ciência que não podem ser desprezados nas análises: uma guerra, como qualquer ato, gera custos e benefícios. E muita gente acha que George Bush fará a guerra porque quer isso ou aquilo, esquecendo-se de analisar os custos da guerra.

Guerra tem custos?

Claro! Primeiro, você retira gente do setor produtivo e aloca em atividades diferentes (o combate). Em segundo lugar, uma guerra costuma trazer variações no grau de intervenção do governo na economia pois a guerra é uma crise e Robert Higgs tem um extenso estudo sobre como o governo cresce em épocas de crise.

Ok, muito papo para um simples Bush. Mas se você quer ler um estudo sério a respeito, consulte este texto do NBER, do prof. William Nordhaus. Para te dar um empurrãozinho, eu reproduzo o título e o resumo do texto:

William D. Nordhaus

NBER Working Paper No. w9361 - Issued in December 2002

---- Abstract -----

Much has been written about the national-security aspects of a potential conflict with Iraq, but there are no studies of the cost. A review of several past wars indicates that nations historically have consistently underestimated the cost of military conflicts. This study reviews the potential costs of a conflict including the postwar expenses that might be required for occupation, humanitarian assistance, reconstruction, nation-building along with the implications for oil markets and macroeconomic activity. It considers two potential scenarios that span the potential outcomes, ranging from a short and relatively conflict-free case to protracted conflict with difficult and expensive postwar reconstruction and occupation. The estimates of the cost to the United States over the decade following hostilities range from $100 billion to $1.9 trillion.


Pois bem, agora você já tem algo a mais para pensar. Na verdade, é algo simples mas que a gente parece se esquecer quando não é conosco: toda ação tem custos e benefícios. Quando é com Bush, os jornalistas acham que Bush só terá benefícios. Mas isso é, obviamente, incorreto, como mostram as recentes pesquisas de opinião feitas nos EUA sobre a popularidade do presidente.

Link adicional:

Se guerra for rápida, EUA crescerão em 2003
Rapidinhas dos leitores

Nesta semana recebi alguns comentários de amigos que, ao invés de deixarem seus autógrafos aqui no nosso blog (snif!), resolveram me enviar mensagens. Na ordem de chegada:

Sobre o post de economia experimental

1. Denise Rezende : "Oi, aqui tem um laboratorio deste. Alem do aluno nao ser maltratado, este recebe uma boa remuneracao pela participacao. Nao me lembro direito, mas
acho que eles pagam uns 12 dolares a hora. Soh nao fui ainda porque estou sem tempo (...)".

Resposta: Que inveja de você! Pudera eu ter meu próprio laboratório aqui! Iria pesquisar muito....

Sobre o Mirabel:

2. Liderau: "Outro fator pode ter sido a total falta de demanda, já que o produto era consumido apenas pelo Shikida.

E não se pode descartar a hipótese de uma empresa ter comprado a empresa que produzia o biscoito Mirabel e resolveu tirá-lo do mercado porque era um concorrente de seus produtos".

Resposta: Ahá! Vocês descobriram! Eu gostava mesmo do Mirabel. Mas eu gostava daquele de tarja verde. Lembro-me de que havia outras cores, mas eu gostava deste verdinho...bem, de qualquer forma, eu não comi todos os biscoitos. Mas a hipótese do Liderau é boa também. Não me passou pela cabeça a idéia de ver a fusão de empresas. Agora, como bom economista, primeiro a gente monta toda a estorinha e depois a gente vai aos fatos. Tortuoso, estranho, mas mais divertido. Afinal, se você tiver uma boa teoria, os dados te mostrarão isso...

Valeu Liderau!
Ainda o Mirabel

Enquanto o autor do pedido, o Leo Monastério, não se manifesta, olha o que eu achei sobre o ciclo de vida de um produto: uma notícia sobre outro lanchinho popular: o Kit Kat da Nestlé.

Uma pista sobre o mistério do desaparecimento do Mirabel pode estar aqui: Kit Kat is the UK’s best-selling chocolate bar. However, in the competitive modern world consumers’ tastes continually change. As a result, even the most popular icons have to re-invent themselves from time to time in order to keep their appeal and stay ‘on top’. For example, pop stars adjust their image, film animators amend their favourite cartoon characters, and car designers re-design old favourites such as the VW Beetle and the Mini. One secret of success is to retain enough of the old image to keep the loyalty of present enthusiasts for the product, whilst making sufficient innovations to attract a whole new group of consumers.

O leitor interessado - inclusive o Leo - pode baixar o arquivo em *.pdf da página do The Times, com toda a matéria sobre o Kit Kat.

Minha única dúvida aí em cima é a seguinte: os gostos mudam? Eu prefiro o argumento tradicional de que, na verdade, o que muda é o conjunto de oportunidades. Assim, por exemplo, se você só comia mirabel e bebia coca-cola quando tinha 8 anos, após algum tempo você passa a ter contato com novos produtos. Então, você tem mais bens e a mesma renda real, grosso modo. Isso não mostra que o consumo de mirabel cairá por mudança nos gostos - entendida como preferências - mas sim que você agora tem novos bens para os quais pode direcionar seus recursos.

Independente do assunto, é legal que o Leo tenha perguntado sobre o Mirabel porque se você, leitor, estuda a ciência que estuda a alocação de recursos escassos (uma definição que é bem mais ampla do que parece à primeira vista), então você deveria saber responder, ainda que tentativamente, uma pergunta simples como esta.

Não é o problema da inflação ou da fome, apenas, que mostram a dificuldade de se pensar o mundo sob a visão do economista, mas sim problemas simples como este. E o Leo nunca me deixa em paz com estas perguntas incomuns...

Palavras-chave (que abrem muitas sinapses...): ciclo de vida do produto, teoria da produção e dos custos, inovação, produtos substitutos, demanda, oferta.

sexta-feira, fevereiro 14, 2003

O Mirabel do Leo

Pois o Leo insistiu e quer que a gente use a Ciência Econômica para tratar do assunto mais importante entre os membros mais ativos deste blog (eu e ele): o biscoito Mirabel.

Para quem é mais novo, o Mirabel pode não ser familiar mas, para quem assistiu Ultraman antes da versão na qual se ouvia a chamada - "distribuição, Sato Vídeo do Brasil" - o Mirabel foi parte da infância.

Entretanto, o Mirabel acabou. Parou de ser fabricado.

O que leva produtos a desaparecerem do mercado? Olha, Leo, assim como eu você sabe que há diversas explicações que poderiam ser testadas. Para dar o pontapé inicial, alguns palpites. Depois a gente refina o argumento:

1) Houve uma mudança tecnológica (estou chutando feio, talvez tenha a ver com a tecnologia alimentar que nossos cientistas têm desenvolvido nos últimos anos). Assim, a demanda por biscoitos mirabel caiu em prol de substitutos.

2) A tendência "light" de hoje em dia pode ter diminuido a demanda por um biscoito de chocolate para crianças. Mães morrem de medo de terem filhos obesos (já avós e tias adoram, respectivamente, netos e sobrinhos gordinhos...). Teria isto algo a ver com..

2.1) uma escassez de recursos: lucros reinvestidos são, claro, escassos. Se a onda é tomar Gatorade, a fábrica do Mirabel pode ter percebido que um mercado mais lucrativo se encontrava longe dos corações dos velhos fãs do produto.

E aí, Leo? Agora que eu comecei com observações bem fraquinhas, é a sua vez de contribuir para a novela: "O que fizeram com o meu Mirabel".

quinta-feira, fevereiro 13, 2003

Discórdia entre economistas

Muita gente já riu a beça da piada de que se Keynes estivesse numa sala com mais dois economistas, você teria, pelo menos, quatro opiniões distintas.

Embora o leigo tenha essa opinião sobre os economistas, é bom lembrar as sábias palavras de Hirshleifer em seu livro-texto - que já citei esta semana: "...é fácil sobreestimar a extensão na qual as opiniões dos economistas diferem. Controvérsia dá notícia, consenso, usualmente não. A grande maioria dos economistas concorda, por exemplo, que controles de preços geram escassez de oferta de produtos, que o comércio livre promove a divisão internacional do trabalho, e que um uso excessivo na impressão de dinheiro traz inflação. Mais importante, o desacordo é essencial se a ciência é algo que avança. Em astronomia, o modelo geocêntrico de Ptolomeu foi contraposto ao modelo heliocêntrico de Copérnico (...). Não é o acordo universal que caracteriza uma ciência, mas pelo contrário, o desejo de examinar a evidência. Tópicos importantes de economia (e.g., a hipótese monetarista versus fiscalista em macreconomia e a eficácia do planejamento central para o crescimento econômico) estão sob contínua reavaliação à luz das evidências. Economistas podem continuar a discordar, talvez porque os problemas sejam mais complexos ou porque os pesquisadores não possuem conhecimento suficiente, mas sempre existirão itens não resolvidos em qualquer ciência viva".

Trecho grande, né leitor? Mas eu acho que Hirshleifer tem razão. Para os alunos de economia que por acaso caíram nesta página, eis aí um motivo para pensarem melhor antes de criticarem a Ciência Econômica.

Por outro lado, ciência também não é vale-tudo, embora exista, sim, um mercado de idéias com teorias concorrentes, barreiras à entrada, concorrência imperfeita...xiiiiii..complicou de novo...
Não confunda...(I) [COM ERRATA]

John Maynard Smith com John Maynard Keynes.

Este último eu não vou nem linkar porque aluno de Economia que nunca ouviu falar de Keynes não pode passar para o período seguinte: tem de levar bomba.

Já o outro John Maynard é um Nobel e expoente da biologia, tendo aplicado a teoria dos jogos ao comportamento animal. Quem nunca ouviu falar da "estratégia evolucionária estável" em Teoria dos Jogos?

Você nunca ouviu falar? Então ponha a mão no bolso, vá até a a livraria (livraria boa, não estas que não têm nada) e exija seu exemplar de "O Gene Egoísta" de Richard Dawkins.

Depois você volta aqui e a gente conversa.

Bibliografia

Richard Dawkins. O Gene Egoísta (Ed. Itatiaia)
Richard Dawkins. O Jardim do Éden (Ed. Rocco)

Veja também:

Resenha de alguns livros de John Maynard Smith
Entrevista com John Maynard Smith

OPS, ERREI! Eu me referia a outro prêmio, equivalente ao Nobel, só que para biologia! Não sei qual dos Léos me corrigiu (se meu irmão ou meu amigo, mas, enfim...)


Não perca
No próximo post da série Não confunda, a diferença entre Allan Meltzer e Alan Metzler (é sério! E os dois...economistas!!)

quarta-feira, fevereiro 12, 2003

Ratos...os ratos...

Existe uma história em quadrinhos famosa cujo autor eu não consigo me lembrar quem é, na qual os humanos são representados por ratos ou gatos (ou ratos e gatos) e vivem na europa nazista.

Há outras formas de se pensar em ratos. Quando estava na graduação (você sabe que está ficando velho quando começa a usar muito este tipo de expressão...Mein Gott!), eu vivia reclamando que, em economia, a gente não podia fazer experimentos, como aqueles que se fazem com ratos.

É verdade que tem um artigo famoso usando pombos e vendo o efeito-preço tradicional em suas ações. Não me perguntem a citação original, não me lembro agora.

Mas também é verdade que sempre fiquei meio chateado com esta falta de teste empírico, digamos, de laboratório.

Mas, leitor(a), não fique triste! Um dos dois premiados com o Nobel de 2002 foi Vernon Smith. Este cara é um dos pioneiros do que chamamos de Economia Experimental. Em resumo, é possível levar as pessoas para um laboratório computacional e, ahá, você faz diversos experimentos com eles! E, claro, nenhum aluno é ferido ou maltratado durante as experiências....

Se você é estudante de Macroeconomia, obviamente já ouviu falar de expectativas racionais. E, claro, já deve ter ouvido (se não pulou para o mestrado ainda...) que esta hipótese é isto, aquilo, ruim, feia e chata, etc.

Bem, o fato é que mesmo economistas que se prendem a suas idéias contra a realidade podem ter um bom motivo para fazer isso. Um bom exemplo é da química. Lembram da tabela periódica? Pois o cara não deixou ela lá mesmo estando incompleta? Analogamente, você pode acreditar em expectativas racionais, mesmo que o método de testá-la ainda seja ruim. Claro, tem um trade-off aí e eu não estou justificando que você acredite em qualquer coisa que seu professor diga.

Comecei este post falando de ratos, laboratórios e agora falo de expectativas racionais. Por que? Porque a economia experimental é uma forma alternativa de se estudar a validade das expectativas racionais. Você tem a econometria, os modelos de ciclos reais e, hoje em dia, com o advento dos PC's, a economia experimental.

O artigo linkado aqui pode ser confuso para o leitor. Mas o abstract é claro:

Experiments are used to study the acceptance of fiat money as a medium of exchange in a two good circular flow economy. In these markets money has a finite life, yet people are willing to trade valuable goods for the intrinsically worthless shinplaster. Inflation remains low to moderate depending on the relatively long or short life span of the currency. However, when a public sector capable of printing money is introduced, the private sector is crowded out, producing dramatic hyperinflations that lead to a collapse in trading. This is shown to be a consequence of the public sector, with its reliance on the printing press, subverting the two-sided price discovery process and not the result of the increasing money supply. Comparing economies without a public sector that experience exogenous monetary growth to economies with a public sector, the private markets are found to have similar inflation but significantly greater efficiency even though the money supply is expanding at the same rate in both systems. This analysis supports the rational expectations hypothesis that peoples’ behavior patterns will vary with changes in government policies.

Para quem não lê em inglês, traduzo a última frase: "Esta análise é favorável à hipótese de expectativas racionais que diz que os padrões de comportamento das pessoas variará conforme mudanças nas políticas governamentais".

Como eu já disse: economia pode ser bem menos chata do que aparenta...só a variedade de temas, idéias e modelos já dá para alimentar a fome intelectual de muita gente....
Ainda o ambientalismo

Ao leitor que gostou do post abaixo, mais uma referência de boa qualidade. Afinal, quem, na Economia, nunca leu nada de Baumol? Bem, além de pintar quadros, ele tem um belo e conciso artigo sobre recursos naturais. Confira neste link.

p.s. Meu primeiro contato com Baumol foi com seu bom e velho livro Economic Dynamics, ainda na graduação. Até hoje lembro-me de ter ficado impressionado com um gráfico bobo de equilíbrio entre oferta e demanda no tempo (ou seja, com três dimensões: preço, quantidade e tempo). Alguns anos depois, com o papel importante que Baumol desempenhou na microeconomia através do desenvolvimento do conceito de mercados contestáveis, vi que o talento para gráficos deste genial economista não era casual....
Erros do ambientalismo

O que um ecologista perde ao ignorar o raciocínio econômico? Bem, ele perde não apenas dinheiro, como veremos abaixo, mas muito mais, pois a Economia se baseia num mundo onde as escolhas têm um preço.

Não é de hoje que causas nobres levam a consequências indesejáveis. Não considerar o lado econômico da vida costuma levar a estes finais pouco felizes.

O melhor exemplo de um embate entre os dois tipos de raciocínio é a famosa aposta de Julian Simon, um economista, contra Paul Ehrlich, um ambientalista que, em um best seller de 1968, The Population Bomb, previa por exemplo que: "A batalha pela alimentação da humanidade acabou. Nos anos 70, centenas de pessoas morrerão de fome". Outra dele: "...desastre nutricional que parece, provavelmente, alcançar toda a humanidade nos anos 70 (ou, no mais tardar, nos anos 80)...uma situação foi criada que poderia levar a um bilhão ou mais de pessoas à morte pela fome".

As afirmações catastrofistas de Ehrlich levaram Julian Simon, um economista, a assumir uma aposta pública com ele. A aposta de Simon era baseada simplesmente no fato de que diversos fatores que nós, economistas, chamamos do lado da oferta da economia (e.g. avanços tecnológicos) superariam o pessimismo alarmista de Ehrlich.

O resultado? Em 1990, após 10 anos de aposta, Ehrlich entregou U$ 576.07 dólares a Simon.

Este caso é encontrado em vários livros de introdução à economia mas, como nosso mercado editorial é pequeno, eu acho que pouca gente já ouviu falar desta história.

Uma aplicação simples de oferta e demanda na qual o ecologista, como muito leigo, apostou apenas na demanda, esquecendo-se de que, como dizia Marshall, a economia só funciona com as duas pernas da tesoura...

Bibliografia

Jack Hirshleifer & David Hirshleifer. Price Theory and Applications [compre-o aqui].

Arnold Kling. Common Sense and Sensibility

Economia em todo o lugar

Após muitos anos com uma lista de discussão chamada "A Hora do Café", resolvi tentar fazer algo diferente. A lista, cuja vida foi atribulada, com brigas, discussões e muita confusão - muitas das quais eu mesmo, reconheço, causei - anda parada há um bom tempo.

Mas eu sempre mantenho acesa minha chama Stigler-Tullockiana de querer ver o mundo através da ótica da Economia.

Esta é a página de pessoas que pensam assim. Por enquanto, sem comentários para os leitores. Num futuro, quem sabe?