Ainda a má economia católica
Conforme dito abaixo, a facção de esquerda da igreja brasileira resolveu, o que saúdo como brilhante, usar dados estatísticos na discussão
da reforma agrária.
Infelizmente, não posso saudar muito. Não vou dizer que tenho medo do vício do novo "clérigo-engenheiro social", aquele que se guia por estatísticas mal trabalhadas. Mas há razão para preocupação.
Vejamos:
i) Seguindo o comentário do Leo: "se o agronegócio vai bem, a terra vale mais. Se vale mais, é mais disputada". Está correto. Mas incompleto. Prosseguindo: se vale mais, é mais disputada. Como é disputada? Pode-se tomá-la ou comprá-la. A primeira opção envolve uma opção legal (mudança de direitos de propriedade) ou então o roubo, a pirataria, enfim, a ação criminosa.
No caso do comércio, gera-se valor. No caso dos direitos de propriedade...há geração de valor? Se você simplesmente toma o excedente do produtor e o transfere para o consumidor, gera algum valor? Não. Se tomar toda a oferta existente (o que inclui a área abaixo da curva de oferta), e transferir também, gerará mais valor? Não necessariamente. Depende das elasticidades (tenho um exemplo que sempre uso, de um artigo sobre órgãos para transplante, em que se pode mostrar isso de maneira simples).
ii) Bem, mas o padre está tentando justificar a reforma legal? Ele toca no assunto, mas está "isentando o MST de culpa na violência no campo", segundo diz a matéria citada. Neste caso, ele está justificando algo que paradoxalmente chama de "luta pacífica". Na visão do representante de Deus na Terra, isto não seria um problema. Mas, infelizmente para ele, isto não é correto. Se eu sei que serei invadido, e se sei que o sistema legal não me defenderá (porque um padre disse que seria diabólico fazê-lo, digamos), então faço como os soviéticos quando da incursão nazista: destruo o máximo possível do que tenho.
Claro, nem todos destroem tudo, pois não é uma guerra nacional. Mas haverá perda de valor. O padre prega algo que pode ser pior para ele? Provável.
iii) Finalmente, a correlação que ele faz é interessante. Segundo a revista: "a comissão cruzou índices de conflitos de terra nas regiões em que há expansão do agronegócio com os daquelas em que predomina a agricultura familiar". Daí concluiu que o aumento da violência no campo está relacionado com esta correlação.
Veja: "a expansão do agronegócio no Brasil está diretamente relacionada ao aumento da violência no campo. De acordo com o documento, o modelo é concentrador de terra e provoca tensão entre os proprietários e os trabalhadores rurais sem terra."
Primeiro, eu gostaria muito de ter estes dados. Já os procurei muito (estes de violência) e nunca acho. A CPT faria um trabalho excelente se disponibilizasse estes dados para pesquisadores interessados.
Em segundo lugar, correlação é um conceito estatístico que: (i) supõe correlação LINEAR entre variáveis, ignorando outras possíveis relações, (ii) é A-TEÓRICO, i.e., não supõe quem é causador e quem é efeito. Pode-se dizer que a violência aumenta quando se expande o agronegócio só porque há uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre estas duas variáveis? Bem, não é tão simples. Se isto é verdade, então locais onde existem supermercados e shoppings deveriam ser alvos de violência generalizada por parte de pequenos comerciantes. De outra forma, a avenida Paulista deveria ser uma praça de guerra.
Além disso, é verdade que sociedades mais desiguais geram um incentivo maior pelo uso das ações ilegais. Mas isso não as torna - as ações - legítimas. A não ser que o padre defenda atos terroristas como sequestros de civis e sua execução sumária em áreas onde há latifúndios. Vejamos o que a simples correlação diz ao padre:
“Não existe outra forma a não ser pegar a lona e ir para a terra”, afirmou o bispo, que declarou legítimas as invasões de áreas produtivas.
“Normalmente, a reforma agrária deve ser feita em qualquer terra. A ocupação de terra produtiva é a senha para uma mudança da legislação (...) O governo pode desapropriar qualquer terra para fazer uma estrada, criar uma represa, fazer qualquer bem público, mas, tratando-se de reforma agrária, está proibido. Isso é discriminação", afirmou.
Ou seja, a lei, que determina que apenas terras "improdutivas" (um conceito arbitrário) devem ser desapropriadas, para o padre, não passa de papel rasgado. Trata-se de apenas uma "senha". Na verdade, não é preciso ensinar tanta economia assim para ele. Ele entende bem de teoria dos jogos. Sabe que se fizer algo errado e não for reprimido, então a autoridade do outro é baixa. Credibilidade zero, por assim dizer. O jogo do padre é racional: "invadam terras. Se o governo negociar ou se capitular, então ele não está jogando, está entregando. No final de várias rodadas, todo o ganho será nosso".
Bem, embora sociedades desiguais tenham o que o Leo chamaria de incentivo ao uso da violência, também é verdade que outra correlação, com muito mais dados do que o estudo da CPT, existe entre liberdade econômica e crescimento econômico. Além dela, alguns outros trabalhos mostram que prosperidade e respeito aos direitos de propriedade se relacionam.
Por exemplo, usemos a idéia do padre ao extremo: o sujeito invadiu a terra e agora já fez um bom lucro. Quer se mudar para a cidade. Segundo o padre, não poderá vendê-la. No mínimo, deveria convidar alguém a invadí-la (!!). Ou seja, se o padre está certo, então: (i) apenas ele e seus aliados sabem a configuração urbano-rural ótima de terras para a sociedade brasileira e, mais grave, (ii) esta configuração não pode mudar nunca.
É algo como querer congelar a sociedade numa visão mítica de agricultores felizes. Visão perigosa porque foi a mesma que seduziu parte do clero alemão em 1933, quando Hitler tinha, exatamente, esta propaganda, sob os auspícios do Duda Mendonça da época, o genial Joseph Goebbels.
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